Nova biografia de Raul Seixas revela as loucas histórias dos shows do cantor
07/08/2019 16:37 em Música

Em 1985, esquecido e já debilitado pelo excesso de álcool, Raul Seixas foi fazer uma turnê pelos garimpos do Pará. Num show, alguém o viu se aplicando uma injeção de insulina, achou que era droga, chamou a polícia e deu-se um rebu. Em 1989, dois dias antes de morrer, o Maluco Beleza lançou seu último disco, “A panela do diabo”, onde cantava: “E lá em Serra Pelada, ouro no meio do nada/ dor de barriga desgraçada resolveu me atacar/ o show estava começando e eu no escuro me apertando/ e autografando sem parar”. “Banquete de lixo” era a lembrança de shows em Marupá e Itaituba, às margens do Tapajós, num cenário de bangue-bangue, bebida a rodo e voos perigosos em teco-tecos.

Até hoje, o que se sabia dessa saga estava na revista “Status”, num relato do jornalista Pepe Escobar, que estava em Itaituba. Mas agora, para celebrar os 30 anos da morte do pai do rock brasileiro (em 21 de agosto), o jornalista Carlos Minuano revela tudo desta turbulenta história na biografia “Raul Seixas por trás das canções” (Best Seller).

O livro é uma das surpresas em torno da data. Para novembro, está previsto o lançamento de “Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida” (Todavia), escrito pelo jornalista Jotabê Medeiros, com revelações sobre períodos obscuros da carreira do cantor. Ainda sem data, está prevista também uma cinebiografia a ser dirigida por Paulo Morelli para a O2 Filmes. E haverá e a edição em LP duplo do raro “Eu não sou hippie”, gravação de um show de 1974.

Carlos Minuano coletou depoimentos de Tony Osanah, guitarrista da banda, e de Gato Félix, ex-percussionista dos Novos Baianos que atuou como empresário na malfadada turnê garimpeira. Encontrou a fotógrafa que viajou com Pepe, Cristina Villares, que por dias revirou seus arquivos em busca de imagens inéditas dos shows de 1985. As descobertas são enfim reveladas no livro de Minuano.

— A ideia era fazer uma biografia musical, mas no meio do cancioneiro acabaram entrando histórias muito loucas — conta o jornalista.

DO OSTRACISMO À LENDA

Quando morreu, de pancreatite, Raul era um artista solitário, com a saúde e as finanças em frangalhos, relegado ao ostracismo, que o ex-Camisa de Vênus Marcelo Nova tentava reerguer em shows do LP conjunto “A panela do diabo”. Aos 44 anos, seus discos estavam, em boa parte, fora de catálogo, e a bibliografia sobre ele era escassa.

Da morte para cá, Raul tornou-se uma lenda. Inspirou dezenas de livros, até edição psicografada (como “Um roqueiro no além”, de Nelson Moraes). São obras que vão “dos lixos mais absurdos, viagem de cogumelo” a “trabalhos acadêmicos maçantes, mas muito sérios”, como diz Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Clube (do qual o primeiro associado foi Raul). Amigo do cantor, Passos é guardião de sua memória e organizou o livro “Raul Seixas por ele mesmo” (1990).

Além da aventura amazônica do cantor baiano, “Raul Seixas por trás das canções” passa também por suas transformações musicais. E traz histórias engraçadas, como quando ele encontrou Tancredo Neves em campanha presidencial (contada pelo amigo e ex-empresário Beto Sodré). Ou violentas, como a do argentino Hugo Angel Amorrotu, que traficava cocaína e foi assassinado em Copacabana em 1979 no apartamento que alugava de Raul.

Não escapa de lembrar, ainda, a missa antes do enterro do cantor, invadida por mais ou menos uma centena de pessoas gritando “Viva, viva, viva a Sociedade Alternativa!” e que tentaram roubar o caixão com seu corpo, para que não enterrassem o ídolo.

— Muitos fãs querem manter Raul no lugar do maluco, quando o cancioneiro dele é fantástico — diz Minuano. — Tinha um carisma que conseguiu transferir para a obra.

Roqueiro, místico, filósofo, cronista, tirador de sarro, romântico… várias são as personas assumidas por Raul Seixas em suas canções. E é na menos conhecida delas, arquiteto do brega, que o jornalista Jotabê Medeiros joga luzes em “Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida”, que sai em novembro pela Todavia.

DISCO MALDITO

No começo dos anos 1970, ainda mordido por não ter conseguido estourar no Rio com os Panteras, sua banda de Salvador, Raul recebeu um convite para ser produtor na CBS, gravadora de Roberto Carlos. Lá, com o parceiro Mauro Motta, ele cuidava dos discos de um time de artistas que fariam muito sucesso com canções simples, pós-jovem guarda: Odair José, Diana, Márcio Greick, José Roberto, Paulo Gandhi, Monny e Balthazar. Nesta temporada do outro lado do balcão, Raul andava de terninho preto, cabelo penteado e óculos de grau.

— Ele e Mauro trabalharam como loucos e fizeram algumas das músicas mais tocadas do Brasil, como “Ainda queima a esperança”, da Diana. Músicas essas que trouxeram a contribuição da periferia para o grande mundo discográfico — explica Jotabê — Na série de LPs “As 14 mais”, Raul sempre dava um jeito de colocar uma composição sua, nas vozes de outros cantores, já que ele não tinha como gravar como artista porque o Evandro Ribeiro, diretor da CBS, não gostava.

Foi nesse período na gravadora que Raul realizou, sem que Evandro soubesse, o conceitual “Sessão das dez”, com o grupo Sociedade da Grã-Ordem Kavernista — irmandade formada por ele, Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada. O LP maldito, que foi recolhido logo após o lançamento, em julho de 1971, inspirou nos últimos anos nada menos que dois espetáculos cover, um no Espírito Santo (com o Coletivo Taruíra), outro em São Paulo (com os Kavernistas do Terceiro Milênio).

“Sessão das dez” foi a pirraça do produtor Raul, que em 1972 se lançou como artista solo nos festivais com “Let me sing, let me sing”.

Para o livro, o jornalista levantou com Edy Star (o único kavernista vivo) e o arranjador húngaro Ian Guest (que participou das gravações) histórias inéditas sobre “Sessão das dez”. Além disso, Jotabê promete algumas revelações “que vão balançar um pouco as convicções sobre o Raul”, como a sua relação com seitas satânicas junto do parceiro Paulo Coelho.

— Raul poderia ser muito generoso, nunca abandonou os amigos de primeira hora, mas também era capaz de algumas perversidades. Ele era um ser humano complexo — diz Jotabê.

TOCAM RAUL

Uma cinebiografia a ser dirigida por Paulo Morelli para a O2 Filmes (ainda sem data para produção ou definição do elenco) é outra grande novidade que se aguarda acerca de Raul Seixas. Já na área fonográfica, sai em novembro a edição em vinil duplo de “Eu não sou hippie”, registro raro que saiu no formato de CD em 2014. Trata-se da gravação de um show de 1974 na cidade mineira de Patrocínio. A iniciativa é da loja Record Collector junto com o 180 Selo Fonográfico.

— “Eu não sou hippie” foi feito a partir de uma fita cassete de qualidade sofrível. Voltamos à fita e realizamos um trabalho moderno de remasterização para o vinil. O Raul estava cantando muito bem naquele show — explica Fred Cesquim, da Record Collector. — Ainda conseguimos fotos inéditas da época, que serão usadas no projeto gráfico.

E os 30 anos da morte de Raul Seixas também serão marcados por eventos. No próximo sábado, Marcelo Nova celebra o disco “A panela do diabo” em show no Circo Voador. Dia 10, na Praça da República, em São Paulo, acontece o espetáculo “O início, o fim e o meio”, com participações de Sylvio Passos, Carlos Eládio (guitarrista dos Panteras) e Edy Star. E no dia 21, também na capital paulista, haverá a Passeata Raul Seixas, que em seu 29º ano sai do Teatro Municipal rumo à Praça da Sé.

Fonte: O Globo

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